Saiu na imprensa nos últimos dias a notícia que pesquisadores estão estudando a possibilidade de ter um antídoto universal para picadas de cobra. Será que isso é possível? Segue o fio para entender um pouco sobre isso
Quando uma pessoa é picada por uma cobra venenosa, o único tratamento cientificamente comprovado é o soro antiofídico.
Só que os soros são específicos para o grupo a que pertence àquela espécie. Ou seja, se por exemplo você foi picado por uma cascavel, você precisa receber soro contra picada de cascavel. Não adianta receber soro para jararaca, nesse caso, porque ele não vai neutralizar o veneno da cascavel
Então, você precisa ter o antiveneno certo para a cobra que o picou. Na maioria das vezes, as pessoas não têm ideia qual espécie de cobra as picou e os profissionais de saúde precisam analisar os sintomas do paciente para chegar à conclusão de qual cobra causou o acidente para que seja administrado o soro correto.
E para algumas espécies de cobras no mundo não existem.
Foi publicado na revista Science Translational Medicine, que pesquisadores descreveram o desenvolvimento de um anticorpo produzido em laboratório que pode neutralizar uma neurotoxina encontrada no veneno de alguns tipos de cobras ao redor do mundo.
Neurotoxina é uma toxina que atua no sistema nervoso de algumas espécies de cobras, mas não de todas.
Nos soros antiofídicos existem diversos anticorpos. Eles são feitos injetando pequenas quantidades de veneno de cobra em cavalos e coletando esses anticorpos.
Este método de produção de soro existe há mais de um século e por serem produzidos em cavalos, pode acontecer efeitos colaterais, muitas vezes graves quando administrados, pois o sistema imunológico do nosso corpo pode reconhecer o soro como uma “substância estranha” e reagir aos anticorpos “estranhos” do cavalo que circulam na corrente sanguínea, podendo causar uma “anafilaxia”.
Anafilaxia é uma reação alérgica aguda, que pode até ser fatal, que ocorre em pessoas previamente sensibilizadas quando expostas novamente a um mesmo antígeno.
Por outro lado, anticorpos produzidos em laboratório usando células geneticamente modificadas são usados no tratamento de câncer e outras doenças.
Segundo o artigo, a proposta dessa pesquisa é que, no futuro, a tecnologia utilizada para produzir estes anticorpos possa ser usada para produzir soros antiofídicos e, eventualmente, substituir os soros tradicionais, minimizando assim muitos dos problemas que os soros atuais enfrentam.
Os anticorpos presentes nos soros produzidos em laboratório podem ser “humanizados”, num processo que “engana” o seu nosso sistema imunológico, fazendo-o pensar que os anticorpos não são “estranhos” e sim, nossos próprios anticorpos. A idéia é que isso possa reduzir a taxa de efeitos colaterais graves que podem ocorrer com soros produzidos em cavalos.
Esses testes estão sendo feitos com neurotoxinas que impedem que os sinais nervosos viajem do cérebro para os músculos, paralisando-os. Isso inclui paralisar os músculos que contraem o diafragma fazendo com que as vítimas parem rapidamente de respirar e morram.
Algumas das cobras que mais causam mortes no mundo, como as mambas-negras, as Najas, a cobra-rei e as corais verdadeiras brasileiras possuem neurotoxinas no seu veneno.
Nessa pesquisa foi produzido um anticorpo chamado 95Mat5 que seria capaz de reconhecer a neurotoxina nos venenos de muitas espécies, além de neutralizar os seus efeitos mortais.
Segundo o artigo, quando foi injetado em camundongos que receberam doses letais de veneno neurotóxico, o 95Mat5 foi capaz de prevenir a paralisia e a morte em todos os venenos testados.
Estes resultados são aparentemente mostram que pode ser viável gerar anticorpos produzidos em laboratório que possam neutralizar amplamente os efeitos dos venenos de muitas espécies, mas não todas. Portanto, chamar de “soro universal” me parece um exagero, pelo menos pelos resultados informados até o momento.
Afinal o 95Mat5 é um anticorpo único que só funciona contra neurotoxinas e para fazer um soro universal você precisa de diversos tipos de anticorpos, porque nem todo veneno de cobra possui neurotoxinas.
Para criar um “soro universal”, capaz de tratar qualquer picada de qualquer espécie de cobra, ainda precisam ser encontrados outros anticorpos que possam neutralizar os outros tipos de toxinas, da mesma forma que o 95Mat5, e isso, até o momento não foi encontrado.
Mesmo que esses anticorpos sejam encontrados é preciso fazer testes para ter certeza que são eficazes e seguros se administrados em humanos. Ou seja, ainda levará muitos anos para que um “soro universal” esteja disponível para as vítimas de picadas de cobra, infelizmente.
Os anticorpos produzidos em laboratório são medicamentos extremamente caros e talvez, se forem produzidos, talvez não sejam acessíveis para a maioria das vítimas de picadas de cobra, pois os acidentes ofídicos ocorrem principalmente em regiões carentes, sendo uma Doença Tropical Negligenciada (DTN
Para acessar o artigo original, CLIQUE AQUI